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Careta e chata

Lembro-me bem de achar a minha mãe uma pessoa excessivamente careta e chata. Eu também a achava muito boa, mas tão boa que era ela a número um do meu ranking de... bem, de pessoas boas. Era como se minha mãe estivesse no alto de um pódio e alcançá-la não era para mim. Acho que por ter sido uma criança trabalhosa, dessas cheias de saúde, entende? acho que por isso eu me sentia menor, pior. Distante.

Eu que sempre fui taxada de madura, inteligente, cheia de potencial, passei a adolescência inteira sem entender porque minha mãe tinha que ser tão careta e chata. Parecia que o mundo inteiro podia fazer tudo o que eu queria fazer e não podia. Minha mãe não deixava. Eu tocava Clarisse no meu violão mal afinado e me identificava tanto com aquela dor. A decadência da letra é tamanha que minha mãe careta e chata chegou um dia a proibir a música em casa. Percebe? Eu sou era intensa.

"Eu sou um pássaro 
Me trancam na gaiola
E esperam que eu cante como antes
Eu sou um pássaro
Me trancam na gaiola
Mas um dia eu consigo existir
E vou voar pelo caminho mais bonito"




De repente, como num déjà vu, ouço minha filha me chamar de chata. Várias vezes ao dia. Ela ainda não é adolescente grazadeus e talvez por isso ela ainda não me julgue careta. Ou, simplesmente, ela ainda não saiba o que é isso. Enfim, é questão de tempo. 

Pensando nisso tudo, realizei o tanto que essa mãe careta e chata está internalizada em mim. Não preciso mais  buscar saber quem eu sou ou para quê vim com toda aquela rebeldia, toda aquela raiva. Ao passo que os dias, meses e anos passam mais rápido (porque é assim para todo mundo) sinto uma quietude se instalar ao poucos. Antes era como se o mundo fosse acabar amanhã. Agora tenho menos tempo, mas vivo melhor o tempo que tenho. 

Entendo bem que minha mãe era careta e chata porque ela me amava e se preocupava. Por tantas vezes desejei que ela esquecesse um pouquinho da minha existência. Como pude? 

Por que demoramos tantos anos para conseguir assimilar certas coisas? 

Júlia olha pela janela as crianças do prédio brincando na rua. Já são mais de 20 horas e eu não permito que ela fique na rua esse horário. Ela se deita às 20h30 sem entender porque sou tão chata. Dou-lhe um beijo de boa-noite e digo "eu te amo". Não há outra forma de explicar.

Às 22h interfono para o porteiro: 
- "Esses moleques não tem mãe não?"
- "É o barulho, dona? Vou lá acabar com a brincadeira que já são 22 horas."
- "Obrigada!"

Careta? Eu?

Comentários

  1. Caramba amigaaa ... me identifiquei inteiramente nas suas palavras .. hehehehehe ... tb me pego muitas vezes repetindo algumas ações da minha mãe, falando algumas palavras e frases ... é, realmente demoramos pra entender certas coisas .. e isso é crescer né .. com certeza vamos ouvir algumas vezes isso de nossas pequenas .. fazer o que? Bjão

    Roberta e Luma
    http://princesaluma.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Esse texto ficou muito legal mesmo!... E essas crianças brincando às 22h na rua, onde já se viu?!

    ResponderExcluir
  3. Meu Deus!!!! vc escreveu a minha história. Tudo igualzinho.

    Até escrevi sobre isso, refletindo sobre o crescimento da minha mais velha.

    Bom, até o horário de dormir das filhas é igual. =)

    Somos como nossos pais????

    beijo

    ResponderExcluir
  4. A gente cresce, tem filhos, amadurece pra virar a mãe da gente. Eu sou assim tmb!!!! Bjsss

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